terça-feira, novembro 20, 2007



Imagem: Jean Shrimpton, 1972, do fotógrafo inglês David Bailey.

A MAGIA DO OLHAR DE QUEM CHEGA

"Há no seu olhar algo surpreendente como o viajar da estrela cadente eu quisera ter tantos anos-luz quantos fossem precisar pra cruzar o túnel do tempo do seu olhar...“ (Gilberto Gil)

Luiz Alberto Machado

Quando o nome que não se pode dizer tocava - dlin! dlon! -, a campanhia estridulava e trazia o seu olhar - que olhos pidões, meu deus! - indigente de quem se encontra na carência de encontrar o meu; eu me dizia Romeu "é minha dama! Oh! ela é o meu amor! Oh! se ela soubera! Fala, entretanto, nada diz; mas que importa, falam seus olhos".... era um trasgo adusto e a minha lucidez se evaporava, e absorto me deixava ululante a ponto de encher com azáfama meus nervos e à cambalhotas o meu coração desencontrado. Era, com certeza, uma teopsia, onde Perséfone se transmudava em zis personagens para protagonizarem minha loucura. Eu sabia e me embevecia, me entregava ao seu enleio como quem se entrega à própria sorte.

...de quem vai se entregar
Seja em qualquer lugar
Onde a sorte vier...


O seu olhar se mostrava carregado de ternura e cobiça invadindo todas as minhas entranhas e todas as dependências do meu apartamento, removendo taciturnidades, solidões, monocórdios, varrendo a mesmice, a pasmaceira e a misantropia impregnadas no meu ser e no ar de todo ambiente, trazendo um clima festivo de luzes acesas e alvoroços siderais para a minha acomodação. Seu olhar me dizia Julieta "jura-me somente que me amas... toma-me toda inteira!"... era um rebuliço faceiro que sua figura altaneira causava no acorçôo de minha alma, do sol brilhar-lhe valorizando sua presença. E eu enamorado recitava com as forças do meu coração "com as leves asas do amor transpus estes muros, porque os limites de pedra não servem de empecilho para o amor. E o que o amor pode fazer, o amor ousa tentar... ai! Mais perigos há em teus olhos do que em vinte de suas espadas... amor, que foi o primeiro que me incitou a indagar; ele me deu conselho e eu lhe dei meus olhos"... Era a trapaça de ver-me rendido no lance, tantalizado com a sua chegada inopinada, acabrunhado com o seu jeito e com o leve toque descompromissado do seu olhar em minha direção a cobrar-me "jura pela tua graciosa pessoa que é o deus de minha idolatria... quanto mais te dou, mais tenho", rompendo a encruzilhada do prazer, exorcizando meus demônios com seus lábios - aquela boca linda de Liv Tyler, fissurando-me com seus lábios bom de morder, salientes e capaz de seu diâmetro escancarado abarcar meus segredos excitados, aliás, diga-se de passagem, a sua boca era uma entre tantas outras seduções capazes de me endoidecer, de sonhar com meu sexo duro, túmido, dentro, todinho, engulido por seu paladar - e seus seios de Mathilda May rodopiando na minha saliva, sua pele sedosa eriçada, seu corpo esgalgo, a sua carne de polpa saborosa, seu ventre humoso - aquele ventre estival e sápido -, a taça do seu veneno para beber ensandecido na doação de seu corpo maternal... "o amor corre para o amor"... entoei...

Quero que você me venha de manhã
Plantar a luz do sol
Com sua fonte a minar
E em mim se escorrer...


E me contornava inóspita, toda exata com sua blusinha de alça, deixando prevalecer todos os seus atributos, a proeminência dos seios latentes, as vestes coladas no corpo realçando a sua vitalidade e seus dotes corpóreos aliciando a fogueira ardente do meu corpo sedento por tostar-lhe a alma agradável sussurrando em sonho ao meu ouvido... "e como o amor é cego, combina melhor com a noite!... vem, tu, dia da noite, pois sobre as asas da noite parecerás mais branco do que a neve recém-pousada sobre um corvo!... vem, noite gentil!... vem, amorosa noite morena... Dá-me meu Romeu!...."

...e aguando esta ternura
A gente dê vontade de nascer
Beijar-lhe o ventre
E ver a vida a rolar... vai ser demais!


E ela caminhava citígrada na noite da minha solidão, pesunhando minha alma e eu seguindo seus passos insones, ah! pequena aljôfar de olhos súplices fitando-me compenetrada enquanto chupava sorvete só para me provocar; deixando-me antever a textura de sua língua exuberante e aveludada naquele rostinho lindo, semi-angelical, de uma beleza ostensiva tripudiando meus quereres decíduos e arruinados pela sua supremacia toda acanhada, silente, sonsa, excitante, solaçosa, enxuta, fermentosa, édule, usurpando minha quietude com a sua blusa a mostrar-me o rego dos seios generosos, onde eu já via na minha ilusão instantânea a sua manifestação de naja com seu capuz estufado para me devorar e premida pela sua necessidade, a suavidade de suas curvas desafiando minha perícia para um test drive por seus traços angulosos, suas formas assombrosamente sedutoras. - parece que se vestia assim para mim, na provocação vindicativa do seu olhar imantando o meu gândulo, não se desgrudando imbrífera dos meus segredos mais remotos.

O tempo vai ruir prá nós
Desexistir
Incendiar o corpo, a voz
A sede saciar na foz
Assim, sedento
A diluir-se em flor pelos confins...


Não havia jeito de me desvencilhar de sua imagem onímoda e deslumbrante, provocando um redemoinho em todas as minhas certezas defenestradas dali, deixando-me débil com seu ar brizomante, parece que adivinhando os meus sonhos de vê-la estirada na minha bandeja, nua esurina, trincadeira.

Onde está o que sou eu?
Será renúncia de querer você?
Amor, que vai ser de mim
Se um dia esta vontade de viver
Perder o amor de vista e esquecer
Angústia de não ter raiz
E o ar desvencilhar-se do nariz...
Será de mim?
O que será do meu coração?


A sua voz arrastada, manhosa, mais parecia Nelli Sampaio sussurando versos luxuriosos na minha alucinação, sotaque que mais acrescentava a minha filoginia e nos dava a urgência de nos estreitar mais convergindo ao centro da minha paixão desnudada.
Não forcei a barra, fui manso, deixei a coisa rolar. Eu estava a fim, ela, ao que parece, idem, mas afastada. Ela dava bandeira, mas se resguardava quando eu me insinuava, podando-me a iniciativa. Ela bateu forte, fundo, aguçando a minha imaginação para peripécias zis. Eu sabia que dali sairia um bom caldo. Saquei seu timing, o seu jeito guerreira, altiva e cosmopolita, um tanto animalesca, dando-lhe um trato terno na geografia curvilínea, não poupando um centímetro de sua graça corporal que evocava sabores, brincando com o meu apetite. Eu a desejava da ponta dos pés ao último fio de cabelo e quando exaltava na minha cobiça, seus olhos pareciam mais um pelotão de fuzilamento. Eu recuava, cedia, certo de que haveria ocasião melhor para a minha investida amorançada.
Para puxar assunto inquirí sua data de nascimento, ao que me respondeu caí logo numa sessão horoscopeta, puxando-lhe pela intimidade, descobrindo-lhe que "da mesma forma que damos e fazemos pelos outros, dessa mesma forma receberemos e teremos sucesso na vida", revelando o sentido da troca do amor, da permuta do querer e que, por sua natureza bondosa e muitas vezes desprendida, carecia de se soltar, cobrando-lhe uma reciprocidade clara aos meus intentos. Nenhuma atitude esboçara, impassível. Por ser uma pessoa liberal, franca, honesta, desprezando o enganoso e o ilícito, fixei minha retórica valorizando lugares como a Babilônia, a Pérsia, o Egito, a Palestina e as veredas estranhas do Oriente, onde sabia que se desmanchava por curiosidade, estendendo-se por países como o Egito, China e Japão. Ela estava hipnotizada com minha falácia e eu sabia disso, aguçando ainda mais seu êxtase pelo que eu discorria. Parece que eu adivinhava e ela se desnudava por inteiro perante minhas considerações. Ela me fitava a ponto de engolir-me inteiro. Estava receptiva, ao que acertei em cheio os seus mistérios. Repentinamente, escapulira pela porta à fora, deixando-me a falar sozinho. Com isso perdi a noção de ser feliz. Fiquei por horas e dias a esperar-lhe a presença à minha porta, tocando a campaínha para realizar-me os desejos desenfreados que me afligiam. Sumira. A campanhia calara. A minha desolação ficava cada vez mais aguda ao som do Concierto de Aranjuez. Eu me entregava ao abandono, mastigando meu platonismo.
Não fora esta a única em que me sentira jogado ao abandono. Não, tantas e muitas tantas outras vezes a paixão se platonizara, jogando ao sacrificio da existência. Desde meninote embalado pelos seios da professora do primário, Ilmena, peituda, reboculosa, linda de morrer que me enveredara pelos caminhos do amor impossível. De outra, mais taludo já, bigodinho ralo, uma professora de Ciências, Linalda, ah! esta arrebatara todas as minhas atenções a deixar-me morrer onanista. E Chumbinho, uma coleguinha miudinha, mas troncuda, do ginasial, me extasiara na adolescência. Livânia, uma varapau maravilhosa, quase duas de mim na altura, que ao encontrar-me absorto apaixonado, virava o rosto para o céu como a pedir clemência.
Entre escanteios e desencontros musas mil se enviesaram em meus caminhos, parece até que por vingança de Perséfone. Eu me afligia no centro da repulsa e mais construía meus castelos de invenções: era Malésia que me falava com seu jeito Leila Diniz: "sou uma mulher meiga, adoro amar. Quero mesmo é fazer amor sem parar". E cantarolava: "...brigam Espanha e Holanda, pelos direitos do mar... porque não sabem que o mar é de quem o sabe amar..."
Assim fora, sem Pomona, sem Maristela que vivia de peitica com a minha timidez a mostrar-me seu derrière, atrepando-se a qualquer saliência a me provocar como naquela cena antológica de Sonia Braga no telhado quando Gabriela; sem o riso ao vivo de Marina Lima, que teimava em se manter colorindo meu cérebro; sem a altiva presença de Luciana Ávila ou Mônica Waldvogel atualizando-me com o noticiário nacional, enquanto eu morria de paixonite aguda; sem a Leila sacando no volei ou Isabel paramentada com a mais estonteante torcida pelo Flamengo; sem a Débora Rodrigues, aquela sem-terra sedutora que arrepiava numa direção da Fórmula Truck; sem a nudez de Carolina Ferraz no Pantanal; sem a meiguice de Fátima Guedes, cantando as coisas mais mansas de sua feminilidade; sem a altaneira figura de Vera Fischer, o vinho mais nobre da minha cobiça; sem a viúva Thereza, a residente mais contumaz do imaginário masculino; sem a pele trigueira de Suzy Rego, sedutora feiticeira; sem a magnífica expressão de Kátia Maranhão; sem o impacto do jeito manso de Adriana Calcanhoto, sem o lindo enleio de Leila Pinheiro, sem...
Perséfone aprontara comigo, mais uma vez. Eu ruminava minhas paixões alucinadas e desmedia de mim, do meu próprio tamanho, crescendo, dilatando com meu sofrimento, mergulhando no vórtice da solidão.
Não conseguia me desvencilhar de Pomona, presente em todos os meus projetos de vida, meus sonhos e meus desejos. Eu sentia a sua falta, mas nada podia fazer. Estava distante e eu mesmo me recusara reencontrar-lhe, recusara tudo, até de mim mesmo. E com isso sofria, derramava meus lamentos em tons e páginas, sem a menor piedade. Tinha que sofrer e dessa loucura sair emancipado, adulto, refeito. O que pode o coração? E aguando esta ternura a gente dê vontade de nascer, de renascer, de ser feliz. Que será do meu coração? Eu ouvia Clarice Lispector no centro da maior das minhas contradições. Eu que me desencontrava à toa. E era a minha catarse. Soubera de nada.

© Luiz Alberto Machado. Direitos Reservados.

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